quinta-feira, 14 de abril de 2011

Enciclopédia

Por Gisele Barcelos

Desenvolvida nos anos 60 para fins militares, a internet era pouco popular até o fim da Guerra Fria. A tecnologia foi mantida sob sigilo durante o conflito, porém os coronéis perderam o interesse no novo brinquedo quando foi anunciado o “cessar fogo”. Hoje aquela jovem conectada no interior de Minas Gerais agradece a Deus por esse dia. Se a ferramenta não fosse cedida às universidades na década de 90, hoje estaria fadada a uma existência sem Google, sem MSN, sem nada.
Para a internauta, a World Wide Web não era apenas fonte de informações sobre a História do Brasil, detalhes da biografia de Hitler, análises geopolíticas e aulas de português. Foi a companheira quem ensinou a observar os itens necessários na revisão do carro e deu dicas sobre o vestido mais apropriado para o casamento na praia. Havia uma relação de confiança. A ponto de a jovem sempre confiar à rede mundial de computadores suas dúvidas existenciais. E ser atendida!
Naquela manhã de segunda-feira, a moderna apaixonada tinha uma pergunta simples na cabeça: Como beijar bem? A moça tinha conquistado o primeiro namorado. O rapaz já havia pedido autorização aos pais para o relacionamento, apesar do ritual parecer careta nos dias atuais. Foram dois meses de flerte, mas sem bitoca. Para maior desespero dela, nem com o amado e nem com mais ninguém.
Agora a internauta sabia que a hora do tão falado primeiro beijo se aproximava. Tinha encontro marcado com o namorado no dia seguinte e não queria decepcionar ou parecer inexperiente. Conversar com a mãe sobre um tema desses não era uma possibilidade. As duas tinham uma relação boa, porém, qualquer tópico referente a sentimentos se tornava um show de comédia, em geral, ridicularizando as atitudes da moça. Por isso, ela não hesitou. Fez a busca no Google e, com um clique, várias técnicas se amontoaram na tela do computador.

- Como acertar no beijo? – repetiu o texto em voz alta. – Para quem ainda não se aventurou, treinar chupando laranja é uma boa ideia... Acho que não. Essa fruta nem parece com a boca de ninguém.

Resolvida, os dedos guiaram o mouse para a página seguinte. Parecia promissora.

- Higiene é fundamental. Então, antes de sair beijando, lembre-se de escovar os dentes ou, pelo menos, colocar uma bala de menta na boca... Daaaaaaarrrrrr! – interrompeu a leitura, constatando que o autor do blog em páginas cor de rosa sabia o óbvio, assim como ela.

O site embaixo já foi mais instrutivo. A mulher experiente de 30 anos escreveu um artigo para ressaltar o entrosamento do beijo.

- Cada um tem um ritmo pra beijar. Às vezes, as pessoas falam “fulano não beija bem”, mas é porque o casal não conseguiu acertar o passo. Alguém sempre vai conduzir. Então, o importante é achar o compasso e a velocidade que dê certo para os dois e ir se adaptando com o parceiro. Lembre sempre de dar umas pausas para engolir a saliva. Uma coisa que ninguém gosta é beijo ultra molhado! – sorriu , mais confiante, porém ainda procurando qualquer coisa parecida com uma figura gráfica de onde e como colocar a língua dentro da boca de outro ser humano.

Vários cliques frustrados se sucederam. A jovem estava quase desacreditando a internet. De repente, a luz apareceu no Yahoo answers:

“Eu praticava muito na mão, antes de dar o primeiro beijo. É só você ir acariciando as costas da mão com a língua. Na hora H mesmo, é só lembrar que vai ter uma outra língua interagindo com você”, ensinava o nome de usuário Tigrão.

O Slarp! Slarp! das lambidas às costas da mão ecoaram no quarto. No dia seguinte, em cada intervalo da aula, se ninguém estivesse olhando, ela aproveitava pra treinar. Foi assim também durante à tarde em casa até pouco antes do namorado tocar a campainha. Ao observar, a língua se contorcer livremente percebeu que já tinha dominado o básico para o primeiro beijo.

E o beijo ficou na história do casal. Foi a melhor noite do mundo. Rendeu até casamento. Vários anos depois, já comemorando bodas de prata, os dois estavam sentadinhos na varanda jogando conversa fora no fim da tarde.

- Sabe, meu bem, tenho que confessar uma coisa. – disse o marido, cortando o romântico silêncio.
- O que foi? – replicou a não tão jovem internauta.
- Eu fiquei com muito medo antes de dar meu primeiro beijo. Treinei na mão. Eu coloquei na net...
- Mesmo? – atravessou, entusiasmada – Eu também. Passei horas na internet vendo dicas. Até que encontrei essa aí, escrita por um cara chamado Tigrão. Deu super certo. Que engraçado!

Ao perceber o rubor no rosto do esposo, a mulher conteve as palavras e já assumiu um tom preocupado.

- Está tudo bem, querido? – questionou, carinhosa.

- Ahã. É que eu sou o Tigrão.

Um comentário:

  1. Comentário unico para esse texto: Eu não imaginava que tinha essas coisas no Google..
    Se num tem no Google num existe.. então ainda bem a achamos isso no Google né =p rsrsrs

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