quinta-feira, 23 de agosto de 2012

Retorno!

O intervalo foi mais longo que o habitual, mas, finalmente, o blog estará de volta a partir de 1º de setembro. Trabalho, mudanças, pós-graduação... tudo isso prolongou um pouco mais o recesso criativo em Coisas do Acaso. 

O importante é que, ao desacelerar, enxergamos coisas novas - ou mesmo coisas antigas às quais nunca demos atenção. O tempo de reflexão foi o suficiente para esse novo olhar, um olhar diferente para novamente transformar o dia-a-dia em literatura!

Espero a visita de vocês por aqui!

Dia 1º de setembro, reestreia! Vamos na contagem regressiva: faltam oito dias!!!


sexta-feira, 23 de março de 2012

Trilha

Por Gisele Barcelos

Entre o que sou e o que espero ser

Existe um abismo de distância

Eu bem poderia ficar do lado de cá

Só a espiar

Os tons

Os sons

A caricatura de tudo o que deveria ser

E não é

Mas valeria a pena?


Pena.

Que pena é não se aventurar

Porque para a sombra do abismo

Existe a luz do próximo passo

E assim, um pé após o outro,

Desvenda-se um novo mundo

Um novo medo

Um novo eu


E de novo me vejo a espiar

Outros sons

Outros tons

Outra intocada paisagem

Por que mais um abismo aguarda lá

Na promessa de quem um dia serei.

segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

Interrogação

Por Gisele Barcelos

Respostas são coisas interessantes
Se não as possuímos
Por certo, desejamos
Já quando somos atendidos
Não estamos felizes

Preferimos dúvidas e pontos de interrogação
Neles, construímos nossos castelos
Feitos com areias de possibilidades

Pra que amargar SIM ou NÃO?
Podemos nos deliciar com “Talvez”
e saborear o “Quem sabe mais tarde”
Afinal, de que vale uma sentença agora
Se esta destrói o sonho?

Mas respostas são coisas interessantes
Se as possuímos ou não
Por certo, angustiamos.

quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

Rima de quase poeta

Geralmente, escolhemos a narrativa das crônicas para dar um novo olhar à realidade. Mas desta vez, a poesia falou mais alto. Não dá pra limitar a literatura. Por isso, peço licença para mostrar algumas ideias que brotaram na minha cabeça esta semana. Leiam, comentem e repassem! Abraços

Rima de quase poeta
Gisele Barcelos


Hoje eu acordei meio poeta
Com vontade de brincar com os gerúndios
Conjugar os infinitivos
Tornar o futuro mais presente que o passado

Acordei hoje meio poeta
Transformei as dores em rima
As gargalhadas inspiraram os sonetos
E tudo foi parar nos meus versos
De métrica inútil e sincera

Hoje, quase inteira poeta,
O ser bagunçado que sou
Se resumia em frases e parágrafos desconexos
E nenhuma prosa, com seus ponto-e-vírgulas,
Foi suficiente para todo o alvoroço dentro de mim
Por mais que eu tentasse

Mas, se hoje acordei meio poeta,
Será que isso é coisa só de hoje
Ou descoberta de todos os dias?

Quem sabe...
Acho que esta é a graça de acordar assim:
meio poeta

quinta-feira, 14 de abril de 2011

Enciclopédia

Por Gisele Barcelos

Desenvolvida nos anos 60 para fins militares, a internet era pouco popular até o fim da Guerra Fria. A tecnologia foi mantida sob sigilo durante o conflito, porém os coronéis perderam o interesse no novo brinquedo quando foi anunciado o “cessar fogo”. Hoje aquela jovem conectada no interior de Minas Gerais agradece a Deus por esse dia. Se a ferramenta não fosse cedida às universidades na década de 90, hoje estaria fadada a uma existência sem Google, sem MSN, sem nada.
Para a internauta, a World Wide Web não era apenas fonte de informações sobre a História do Brasil, detalhes da biografia de Hitler, análises geopolíticas e aulas de português. Foi a companheira quem ensinou a observar os itens necessários na revisão do carro e deu dicas sobre o vestido mais apropriado para o casamento na praia. Havia uma relação de confiança. A ponto de a jovem sempre confiar à rede mundial de computadores suas dúvidas existenciais. E ser atendida!
Naquela manhã de segunda-feira, a moderna apaixonada tinha uma pergunta simples na cabeça: Como beijar bem? A moça tinha conquistado o primeiro namorado. O rapaz já havia pedido autorização aos pais para o relacionamento, apesar do ritual parecer careta nos dias atuais. Foram dois meses de flerte, mas sem bitoca. Para maior desespero dela, nem com o amado e nem com mais ninguém.
Agora a internauta sabia que a hora do tão falado primeiro beijo se aproximava. Tinha encontro marcado com o namorado no dia seguinte e não queria decepcionar ou parecer inexperiente. Conversar com a mãe sobre um tema desses não era uma possibilidade. As duas tinham uma relação boa, porém, qualquer tópico referente a sentimentos se tornava um show de comédia, em geral, ridicularizando as atitudes da moça. Por isso, ela não hesitou. Fez a busca no Google e, com um clique, várias técnicas se amontoaram na tela do computador.

- Como acertar no beijo? – repetiu o texto em voz alta. – Para quem ainda não se aventurou, treinar chupando laranja é uma boa ideia... Acho que não. Essa fruta nem parece com a boca de ninguém.

Resolvida, os dedos guiaram o mouse para a página seguinte. Parecia promissora.

- Higiene é fundamental. Então, antes de sair beijando, lembre-se de escovar os dentes ou, pelo menos, colocar uma bala de menta na boca... Daaaaaaarrrrrr! – interrompeu a leitura, constatando que o autor do blog em páginas cor de rosa sabia o óbvio, assim como ela.

O site embaixo já foi mais instrutivo. A mulher experiente de 30 anos escreveu um artigo para ressaltar o entrosamento do beijo.

- Cada um tem um ritmo pra beijar. Às vezes, as pessoas falam “fulano não beija bem”, mas é porque o casal não conseguiu acertar o passo. Alguém sempre vai conduzir. Então, o importante é achar o compasso e a velocidade que dê certo para os dois e ir se adaptando com o parceiro. Lembre sempre de dar umas pausas para engolir a saliva. Uma coisa que ninguém gosta é beijo ultra molhado! – sorriu , mais confiante, porém ainda procurando qualquer coisa parecida com uma figura gráfica de onde e como colocar a língua dentro da boca de outro ser humano.

Vários cliques frustrados se sucederam. A jovem estava quase desacreditando a internet. De repente, a luz apareceu no Yahoo answers:

“Eu praticava muito na mão, antes de dar o primeiro beijo. É só você ir acariciando as costas da mão com a língua. Na hora H mesmo, é só lembrar que vai ter uma outra língua interagindo com você”, ensinava o nome de usuário Tigrão.

O Slarp! Slarp! das lambidas às costas da mão ecoaram no quarto. No dia seguinte, em cada intervalo da aula, se ninguém estivesse olhando, ela aproveitava pra treinar. Foi assim também durante à tarde em casa até pouco antes do namorado tocar a campainha. Ao observar, a língua se contorcer livremente percebeu que já tinha dominado o básico para o primeiro beijo.

E o beijo ficou na história do casal. Foi a melhor noite do mundo. Rendeu até casamento. Vários anos depois, já comemorando bodas de prata, os dois estavam sentadinhos na varanda jogando conversa fora no fim da tarde.

- Sabe, meu bem, tenho que confessar uma coisa. – disse o marido, cortando o romântico silêncio.
- O que foi? – replicou a não tão jovem internauta.
- Eu fiquei com muito medo antes de dar meu primeiro beijo. Treinei na mão. Eu coloquei na net...
- Mesmo? – atravessou, entusiasmada – Eu também. Passei horas na internet vendo dicas. Até que encontrei essa aí, escrita por um cara chamado Tigrão. Deu super certo. Que engraçado!

Ao perceber o rubor no rosto do esposo, a mulher conteve as palavras e já assumiu um tom preocupado.

- Está tudo bem, querido? – questionou, carinhosa.

- Ahã. É que eu sou o Tigrão.

terça-feira, 29 de março de 2011

Paixão Nacional

Por Gisele Barcelos

Ele era o típico homem de família. Despertava às 6h da manhã para comparecer ao trabalho, cumpria todas as obrigações no horário de expediente, buscava as crianças na escola e assistia fielmente às notícias do dia durante o jantar, sempre elogiando o rango da patroa. As contas eram pagas antes de vencimento, como de praxe a todo homem respeitável. Nada havia na praça de comprometedor sobre sua pessoa. Comedido no falar, ele poderia passar a vida sem chamar atenção... exceto pelas noites de quarta-feira e tardes de domingo. Bastava o juiz apitar o início da partida de futebol e o juízo se esvaia do corpo e mente.
Não importa se era o Pau Grande Esporte Clube e o Aperibeense na disputa da taça carioca, jogo de várzea ou mata-mata do campeonato brasileiro. Tendo uma bola em campo e 22 jogadores atrás dela, o coração batia acelerado e a loucura corria nas veias. Nestes raros momentos de insanidade, a esposa preferia deixá-lo em privacidade. Até por medo de guardar na memória aquela figura de olhar assassino, espumando de raiva e descabelada. Um tipo de coisa que daria pesadelo nas crianças.
A raiz de todos os males era o amor ao Palmeiras. Por causa do “porco” é que o futebol começou a atormentar os sonhos do franzino menino aos cinco anos de idade. Influência do pai e dos tios que inculcaram na criança a obsessão pela camisa verde e branca. Por isso, nem precisa dizer que a crise neurótica era ainda pior quando os pontinhos com as cores do coração se mexiam na televisão de 29 polegadas. Da pequena cidade no interior de Minas, a imagem quadrada era o único contato com time amado, pois as responsabilidades sempre o impediram de acompanhar de perto os jogadores em campo.
Como os ataques estavam reservados à intimidade da sala de estar, a família nunca tentou uma intervenção. Afinal, só pode atirar a primeira pedra, quem não tiver pecado. E todos carregam uma esquisitice embaraçosa lá no fundo. Porém, naquela fatídica quarta-feira, em meados de abril, o arrependimento tomou conta do povo.
A tragédia poderia ter sido prevista uma semana antes, quando foi confirmada a vinda do Palmeiras, pela primeira vez, à cidade interiorana para disputar as eliminatórias com o modesto time local. Fato inédito! No entanto, o homem de maneiras lacônicas nada transpareceu para a família e amigos. Como não era fã de aglomerações, a esposa foi pega de surpresa com a notícia da compra dos ingressos.

- Meu bem, amanhã vou chegar tarde em casa porque vou direto para o estádio depois do expediente. Também não posso pegar as crianças, tá bom? – comunicou o marido no habitual tom comedido.
- Você vai encontrar algum cliente ali perto? – replicou a esposa, sem entender quem marcaria uma reunião de negócios num lugar tão desconfortável.
- Não. Vou para o jogo. Comprei o ingresso no início da semana.
- Para o jogo do Palmeiras? Mas num é só às nove horas da noite? O que você vai fazer no estádio seis horas da tarde?
- Garantir o melhor lugar na platéia, uai. Se chegar tarde, vou ficar lá no fundo, atrás da cidade inteira. E já cansei de ver pontinhos ao invés dos jogadores. – disse, deixando escapar sinais de agitação.
- Bom, se quiser, eu posso deixar as crianças na mamãe e te acompanhar...
- Não acredito que seja ambiente apropriado pra você. E acho que os ingressos já esgotaram. – interrompeu sem dar chance a outros comentários.
- Então, tudo bem.

A mulher respirou aliviada por escapar de uma noite de futebol e continuou atarefada com os preparativos do jantar, arquitetando como aproveitaria as horas enquanto o marido se espremia entre milhares de torcedores suados. Depois de muito pensar, optou por uma sessão de manicure/pedicure seguida de filme e pipoca em casa.
Na noite de quarta-feira, de unhas feitas e pintadas num vibrante vermelho, a esposa colocou a mais nova comédia romântica de Brad Pitt no aparelho DVD e apertou o play. Estava curtindo ao máximo a chance de desfrutar a tela grande, pois o controle remoto da TV 29 polegadas sempre ficava em posse do marido ou dos filhos.
As idéias estavam imersas no roteiro mamão com açúcar, quando o telefone tocou. Ela olhou o relógio, se perguntando quem ligaria depois das dez. Preocupada, tirou o fone do gancho na segunda chamada.

- Alô?!
- Carol, você está com a televisão ligada? – despejou a amiga, esquecendo qualquer etiqueta.
- Boa noite pra você também. – respondeu irônica – Benzinho foi pro jogo e...
- Eu sei. Estou vendo. Põe no canal do jogo – atropelou afobada.
- Tá certo, já vai. O que deu em você h...

A cena foi tão chocante que a mulher nem conseguiu completar a frase. As mãos trêmulas derrubaram o telefone no chão ao presenciar a figura de olhos assassinos, espumando de raiva e descabelada em rede nacional. Não tinha como confundir aquela expressão. O juiz havia acabado de marcar impedimento, o que anulou um golaço do verdão. Ou seja, o marido estava totalmente fora de si.
Foi um alívio o anúncio do intervalo. Mas apenas momentâneo. A esposa pensou que os 15 minutos de recesso, o amado teria tempo de recobrar o juízo. Ledo engano. Enquanto vuvuzelas e cartazes combatiam por espaço no estádio lotado, o êxtase coletivo levou o recatado homem de família ao extremo. Lá estava ele, arrancando a camisa pra usar de bandeira na platéia. Os repórteres perceberam o iminente furo de reportagem e congelaram as câmeras no fanático verde.
A imagem seguinte foi traumática. O descabelado arriou as calças, virou de costas e levou a audiência ao delírio num convicto bundalelê tendo nas nádegas a inscrição PAL |MEIRAS. Foi o suficiente para a esposa perder os sentidos. O barulho acordou as crianças, que começaram a choradeira ao ver a situação do pai na TV. Naquela mesma noite, o vídeo foi parar no YOUTUBE sob o título “Maluco mostra tudo em jogo do Palmeiras” e teve quase um milhão de acessos.

quarta-feira, 16 de março de 2011

Marketing da pamonha

Por Gisele Barcelos

Não imaginava, mas a pamonha é a musa inspiradora de vários artistas no Brasil. Em pesquisa aleatória na internet sobre as origens da iguaria, foi surpresa encontrar demonstrações cantadas de amor à delícia do milho. A princípio, todas no ritmo e com as letras duvidosas do funk carioca; estilo chamado de música com relutância. Porém, à medida que a curiosidade crescia, encontrei também homenagens ao som de rock, chorinho e até blues.
A ascensão do produto, entretanto, é resultado de uma estratégia de marketing bem-sucedida. Publicitários deveriam fazer estudo de caso sobre o marketing da pamonha. A rudimentar produção foi transformada pelos empreendedores pamonheiros em estrutura profissional para comercializar o quitute de origem africana mineira. Hoje o negócio caipira parece uma franquia extremamente organizada, com filiais que se infiltram onde você não imagina e jingles padronizados que grudam na cabeça do consumidor.
No interior de Minas Gerais, por exemplo, antes mesmo do tradicional dizer “Olha a pamonha”, os versos “Tentei te esquecer, não deu! Pensei que fosse mais forte que este amor. Oh minha paixão, sou seu! Por mais que eu queira disfarçar...”, embalados pelo mais brega das canções sertanejas, denunciava a proximidade da filial ambulante.
Do apartamento no último andar, a jovem grávida sempre escutava o chamado. Aos seis meses de gestação, desta vez o apelo foi irresistível e atiçou o desejo pela tradicional pamonha da roça, a melhor pamonha da cidade como afirmava a gravação abafada.
Atraída pelo carro de som, desceu as escadas até o térreo, apressada, porque pelo barulho o vendedor estava ali perto. Esperou ainda uns cinco minutos na entrada do prédio, ouvindo o retumbante anúncio com trilha sonora, sem distinguir de qual lado vinha o ataque.
A jovem grávida já estava irritada quando, finalmente, o condutor da pamonharia móvel apontou no fim da rua. A potência das caixas contrastava com a esguia bicicleta que o vendedor pedalava arduamente. Por um instante, ela chegou a pensar que o mecanismo era apenas para propaganda volante, pois não haveria espaço para carregar um som tão poderoso e ainda as pamonhas naquele precário veículo.

– Oi moço! Tem pamonha aí? – perguntou sem esperanças.
– Se tem! Falta quatroooooo...centas pra acabar! – surpreendeu em tom de brincadeira – Vim lá da fazenda a uns 30 quilômetros da cidade, mas hoje o movimento tá fraco, dona.
– Pensei que vocês só viessem quando alguém pede por telefone... Mas nem deve ter linha telefônica na zona rural, né?
– Que isso, dona. Atendemos pedido por telefone, sim. Tenho um cartão aqui com o número e a senhora pode ligar sempre que sentir vontade! – garantiu, rindo para a barriga sobressalente da moça, e entregou o pedaço de papel.

A tarjeta seria bastante comum, não fossem as informações impressas. Além do telefone fixo e celular, o nome do vendedor vinha acompanhado do site e o email para contato. Tentando disfarçar a incredulidade, a grávida brincou:

– Ah! E esse site funciona mesmo?
– É atualizado todo dia. Tem notícias, receitas, espaço pra sugestões e também dá pra enviar pedidos no chat em tempo real. E a gente ainda recebe por email os pedidos dos clientes. – afirmou orgulhoso.
– Mesmo?

Antes da mulher recuperar a fala, o pamonheiro com chapéu de palha surrado na cabeça continuou:

- Agora montamos o perfil no twitter e já tem uns 250 seguidores. Muita gente já conhecia a marca porque acompanhava o profile no orkut e facebook. Sabe como é, a gente precisa estar atualizado.

Ainda surpreendida com a impecável pronúncia do inglês, a futura mamãe resolver pegar a mercadoria e evitar novos embaraços.

- Que bom! Me dá quatro pamonhas, então. – disse, arquitetando guardar uma para agradar o marido.
- São R$ 20.
- Por quatro pamonhas? Como assim? Nem tem certificado de garantia.
- Mas se a senhora quiser pode entrar no youtube e conferir passo-a-passo nossa linha de produção. Tudo na maior higiene pra segurança do freguês.

Sem dinheiro suficiente na carteira, a jovem já acenava desistindo da transação.

- Deixa pra outro dia.
- Que isso, dona! Tem cartão de crédito? – convidou já sacando o celular com o novo sistema de compras online disponível.